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Laços da psicologia com a Redução de Danos e Permacultura


 

Pretendo neste texto explicar brevemente sobre essas influências que considero atravessadoras da minha clínica.

A Redução de Danos pode ser mais evidente, já que é uma estratégia de cuidado com “perspectiva ético-clínico-política, pautada nos direitos humanos, para compreensão e intervenção acerca da problemática do uso de drogas” (Surjus et al, 2001). Apesar do foco no uso de substâncias psicoativas (legais e ilegais), seus pressupostos são importantes na produção de cuidado no geral. E são eles: valorização do saber que a pessoa tem de si, desenvolvimento da autonomia, do autocuidado e da responsabilização.

Nomear aqui a Redução de Danos, que é principalmente uma estratégia de saúde pública, é uma escolha política. Sendo uma postura diante do cuidado, está nomeada na Política de Saúde Mental (pela Portaria 1.028, de 1 de julho de 2005) como referência para o tratamento em liberdade e na contramão do assistencialismo. Esse é um assunto já bastante conhecido nos espaços sérios de debate sobre o tema e traz pautas importantes para a produção de saúde social. Algumas delas são: reconhecimento das consequências sociais e prejuízos à saúde mental causados pela guerra às drogas (principalmente para grupos em maior vulnerabilidade), compreensão das compulsões no campo da saúde e não da segurança, acesso digno aos serviços (inclusão) e valorização da informação na construção de responsabilidade e cuidado de si.

Já com a permacultura pode parecer um pouco mais distante, então começarei dando algumas definições. Ela tem como objetivo “a criação de sistemas que sejam ecologicamente corretos e economicamente viáveis; que supram suas próprias necessidades, não explorem ou poluam e que, assim, sejam sustentáveis em longo prazo” (Mollisson APUD Diniz, 2016, p. 110), considerando como um dos seus princípios básicos o “cuidado com as pessoas, de forma a suprir as necessidades básicas de alimentação, abrigo, educação, trabalho satisfatório e contato humano saudável” (Diniz, 2016, p. 111).

Fica evidente, então, que a permacultura preza pela satisfação de necessidades básicas. De forma semelhante, a psicanálise e outras vertentes da psicologia também as consideram condições primordiais para o desenvolvimento de uma saúde mental satisfatória. A visão não-individualizante do sujeito é, assim, uma perspectiva compartilhada entre elas, ao compreender a interrelação entre as pessoas e o meio em que vivem. Apesar de tratar pessoas individualmente em um consultório, as considerações acerca dos contextos em jogo são essenciais nas análises de cada caso.

Outro ponto em comum é a postura contra hegemônica assumida pelas duas vertentes de estudo. Na permacultura isso aparece, por exemplo, em relação ao respeito do tempo natural da vida, questionamentos em relação aos padrões de consumo impostos e perceber-se como agente direto dos problemas ambientais. Já na psicanálise isso aparece no pilar do tratamento, que é levantar questionamentos em relação às ações e afetações, buscando tornar consciente padrões que foram impostos ou absorvidos involuntariamente.

Os questionamentos levantados por ambos os campos de saber implicam em colocar o sujeito em uma postura mais ativa diante da vida e do mundo ao seu redor, trazendo à consciência ações que ainda não eram percebidas, sejam elas saudáveis ou não. Isso com o objetivo de fazer a vida ser mais coerente consigo mesma, e não apenas adaptada ao que o mundo contemporâneo exige (que frequentemente vai na contramão da saúde e da sustentabilidade).

Esses pormenores estão incluídos na linha teórica na qual meu trabalho é pautado, a psicanálise, e não precisariam ser citados aqui. Porém, o diálogo com outros conceitos expande o olhar, a escuta e as reflexões acerca de cada caso e suas possibilidades de vida. Muito se agrega ao dialogar com outras teorias, principalmente as que consideram as organizações coletivas ou que sejam de outras áreas de saber.


Referências

BRASIL. Portaria N. 1.028, de 1 de julho de 2005. Determina que as ações que visam à redução de danos sociais e à saúde, decorrentes do uso de produtos, substâncias ou drogas que causem dependência, sejam reguladas por esta Portaria.

DINIZ R. F. Permacultura como um estilo de vida sustentável: o olhar da psicologia ambiental. INTERthesis. Florianópolis, v. 13, n. 02, p. 106-118. Mai-ago. 2016.

SURJUS L.T.L., FORMIGONI M.L.O.S., GOUVEIA F. Introdução. In: Unifesp (Universidade Federal de São Paulo). Redução de Danos: Conceito e Práticas. Material comemorativo aos 30 anos de Redução de Danos no Brasil. Santos. Univesp, 2001. P. 4


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