Talvez você nunca tenha ouvido falar em Estratégia de Saúde da Família, mas com certeza conhece o postinho de saúde. A história é por aí.
Vamos por partes. O Sistema Único de Saúde (SUS) é dividido em três níveis: atenção primária, secundária e terciária. Alguns serviços diferentes compõem o nível primário e entre eles, as Unidades Básicas de Saúde (UBS, nome oficial do postinho), que dependendo da formação da equipe de trabalho chama-se Unidade de Saúde da Família (USF).
A atenção primária organiza o sistema de forma que esteja responsável principalmente pela prevenção das doenças e seus agravos, propondo-se a chegar até as casas e promover um cuidado comunitário longitudinal (que se mantém ao longo do tempo). Essa estratégia envolve teorias e formas de aplicação discutidas no mundo todo desde 1960 e atravessa toda a história do SUS no Brasil, com suas conquistas e obstáculos (Fausto e Matta, 2007).
Estive nesse contexto na residência multiprofissional, que é uma pós-graduação que concede o título de especialista (assim como na medicina), oferecida por universidades de todo o Brasil. Para além disso, a residência na qual me especializei tem uma característica bastante especial: está alocada na zona rural. Durante os dois anos de muita dedicação trabalhei com populações camponesas no agreste pernambucano.
Essa especialização me permitiu aprimorar habilidades que já eram caras ao meu trabalho:
- Lidar com a enorme variedade de questões complexas, tanto de saúde quanto sociais, que são de responsabilidade da atenção primária ampliou meu olhar para as implicações psíquicas de diversos tipos de adoecimento e das potencialidades que surgem nas brechas;
- Estar na zona rural me permitiu compreender mais profundamente as relações intensas que se estabelecem entre as pessoas e os lugares onde estão / de onde são. A atenção aos contextos específicos de cada um é essencial para que um cuidado efetivo seja oferecido;
- A dinamicidade exigida pela Saúde da Família me obrigou a ser flexível e avaliar prioridades constantemente, colocando em foco as necessidades da comunidade e considerando as possibilidades que existiam em diversas esferas ao mesmo tempo. Isso me fez desenvolver a habilidade de ser ao mesmo tempo sensível e firme;
- O trabalho multiprofissional (com pessoas de outras áreas) foi essencial para compreender profundamente os benefícios de variadas formas de cuidado e como eles se integram;
- Os desafios que se impõem diariamente no cotidiano da saúde pública me fizeram uma profissional atenta às oportunidades de cuidado e resiliente aos processos alheios, aproveitando da melhor forma todo e qualquer contato possível.
Mesmo que nem sempre esteja evidente, os princípios da Saúde Pública têm significativa influência em cuidados promovidos para além do SUS, cujas diretrizes são de extrema valia para o meu trabalho e fazem parte dos meus guias éticos de promoção de cuidado, independentemente de onde estiver atuando.
Referência:
FAUSTO, M. C. R.; MATTA, G. C. Atenção primária à saúde: histórico e perspectivas. In: MOROSINI, M. V. G. C.; CORBO, A. D. (Org.). Modelos de atenção e a saúde da família. Rio de Janeiro: ESPJV/FIOCRUZ, 2007. p. 43-67. (Coleção Educação Profissional e Docência em Saúde: a formação e o trabalho do agente comunitário de saúde, 4).
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